A eleição à luz da Bíblia
- Joel Lopes
- Apr 26, 2016
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INTRODUÇÃO
O conceito de eleição incondicional está presente ao longo das Escrituras, presente tanto no Antigo como no Novo Testamento. Existem aproximadamente 150 passagens sobre a eleição, predestinação, preordenação e outros termos semelhantes. (WRIGHT, 2007).
Trata-se de uma acção graciosa da parte de Deus em direção a pecadores, a qual reflete o caráter do Deus Triúno. Sem ela todos os homens desde a Queda estariam completamente perdidos, bebendo a ira justa de Deus. Desde a eternidade Deus elegeu o seu povo, aqueles que seriam alvo da sua graça salvífica. John Piper (2014, p. 67) define eleição incondicional da seguinte maneira:
“A eleição se refere à escolha de Deus quanto aqueles a quem salvaria. É incondicional porque não há nenhuma condição que o homem tenha de satisfazer antes de Deus escolher salvá-lo. O homem está morto em delitos e pecados. Por isso, não há nenhuma condição que ele possa satisfazer antes que Deus escolha salvá-lo de sua morte.”
Millard Erickson (2015, p. 880) oferece a seguinte definição: “Predestinação refere-se à escolha que Deus faz de indivíduos para a vida eterna ou a morte eterna. Eleição é a seleção de alguns para a vida eterna, o lado positivo da predestinação.”
Ainda que por muitos esta doutrina seja negada ou distorcida ela encontra-se nas Escrituras de forma clara. A doutrina da eleição fere o orgulho humano, direcionando toda a glória da salvação para Deus, o homem é totalmente destituído de mérito e Deus totalmente merecedor de honra e louvor. A doutrina da eleição enaltece a grandiosa misericórdia e graça divina, dá um brilho fulgurante à Cruz do calvário e leva o pecador eleito a prostrar-se diante de tamanha salvação.
Várias aplicações práticas e edificantes decorrem da doutrina da eleição. Neste texto debruçar-se-á sobre algumas passagens e termos bíblicos, tanto do Antigo Testamento como do Novo, serão descritos o autor da eleição e o objeto da eleição, serão descritas características da eleição e no final serão feitas algumas aplicações práticas para a vida cristã.
1. Eleição à Luz da Bíblia
1.1 Termos usados para eleição
No Antigo Testamento a palavra hebraica usada para se referir à eleição é ידע (yada’). Segundo Ferreira (2007, p. 726) a palavra “tem um campo de significado abrangente, incluindo o saber e o conhecer, mas, no contexto do conhecimento entre as pessoa e Deus, a ideia de intimidade é essencial”. Trata-se de um conhecimento no sentido em que se fez de alguém o objeto eletivo de amor, foi escolhida determinada pessoa para ser alvo de intimidade (BERKHOFF, 2012).
Podemos encontrar a associação do conceito de eleição ao de conhecimento em Jeremias 1.5: “Antes que eu te formasse no ventre te conheci, e antes que nascesses te consagrei e te designei como profeta às nações.” (Almeida 21). A tradução da Nova Versão Internacional traduz logo a palavra para escolhi.
“(…) o protesto de Jeremias, de que ele era jovem e não era habilitado para a tarefa profética, foi anulado. Deus o conhecera e o santificara, fazendo com que ele fosse o instrumento perfeitamente adequado para realizar o plano divino. Deus estabeleceu um relacionamento íntimo com jeremias no seu decreto eterno, antes mesmo que Jeremias existisse. O conhecimento de Deus é paralelo à santificação de Deus, e ambos são fundamentados no plano eterno de Deus. O conhecimento de Deus tem sua base na eleição soberana.” (FERREIRA, 2007, p. 727).
Outra exemplo de uma passagem no Antigo Testamento usada no mesmo sentido é Amós 3.2, sendo que algumas traduções já colocam o verbo escolher ao invés do conhecer: “De todas as famílias da terra, escolhi somente a vós; portanto, eu vos punirei por todas as vossas maldades.” (Am 3.2, Almeida 21).
Em Deuteronômio 7.6-7 é utilizada o verbo בחר (bachar), que significa escolher, eleger, decidir-se por. Na passagem em questão Deus diz que escolheu Israel do meio de todas as outras nações não porque eles fossem mais especiais que os outros, mas porque os amou (WRIGHT, 2007). Ferreira (2007, p. 727) afirma da seguinte forma:
“E foi este amor que motivou o Senhor a resgatar o povo da mão do Faraó. Este amor vem antes dos mandamentos da aliança, colocados diante do povo. A ordem é esta: Deus ama, escolhe e resgata. Aqueles que Deus ama, ele escolhe e traz para si (cf. Sl 65.4). Não que o povo tivesse obedecido a Deus e, portanto, ele o escolheu. É por ser o escolhido de Deus que o povo é redimido e é colocado diante das obrigações da aliança.”.
No Novo Testamento encontram-se verbos como προγινοσκω (proginosko) em Romanos 8.29 e o substantivo προγνωσις (prognosis), em 1 Pe 1.2, ambas referem o conhecimento que se tem de antemão. Vários teólogos (BEEKE, 2010; BERKHOFF, 2012; ERICKSON, 2015; FERREIRA, 2007; PIPER, 2014) afirmam a ideia de que o “conhecimento” referido nestes do Novo Testamento tem como pano de fundo o conceito “conhecer” (ידע) do Antigo Testamento, o qual refere mais do que um conhecimento intelectual, mas sim um relacionamento de intimidade intencional e dirigido ao objeto do afeto.
Em Romanos 9.11, 11.5 é usado o substantivo εκλογη (ekloge), em Efésios 1.4 o substantivo εκλεγομαι (eklegomai) e em 2 Tessalonicenses 2.13 o verbo αιρεομαι (aireomai). Todos eles apontam para a eleição, para uma acção de escolha da parte de Deus, em que ele coloca um certo número de pessoas uma relação especial consigo mesmo (BERKHOFF, 2012).
A palavra προορίζω aparece em variadas referências bíblicas (At 4.28; Rm 8.29-30; 1 Co 2.7; Ef 1.5; e Ef 1.11) e refere-se à predestinação, à escolha do homem para um determinado fim, seja ele bom ou mau (BERKHOFF, 2012).
1.2 O autor da eleição
O autor da eleição é o Deus Triúno. A trindade envolve-se na salvação de homens para a salvação, o Pai, o Filho e o Espírito Santo derramam essa maravilhosa graça em pecadores completamente perdidos e destituídos de justiça (BERKHOFF, 2012).
Trata-se, portanto, de uma acção livre e soberana do Teus Trino, em que o Deus Pai, na economia da salvação, “Deus pai amou a igreja desde a eternidade e especificou quais pessoas seriam as que a comporiam”, conforme afirma Ferreira (2007, p. 743). Vemos esta escolha tanto no Antigo Testamento em expressões como “meu servo Jacó” e “Israel meu escolhido” (Is 45.4), como no Novo Testamento (e.g., Ef 1.3-5; 1 Pe 1-2). Joel Beeke (2010, p. 81) afirma: “Assim, Deus, o Pai, elege seu povo com base em seu amor eterno, constrangedor e soberano por eles. Por que ele os ama? Porque escolheu fazer isso.”
Deus Filho comprou aqueles que foram escolhidos pelo Pai, a Igreja do Senhor foi comprada com sangue (At 20.28), o sangue do Cristo crucificado em substituição dos pecadores eleitos desde a eternidade (FERREIRA, 2007). “O sangue do perdão é aplicado à alma do crente como fruto da eleição graciosa de Deus em Cristo. A eleição em Cristo e por meio do seu sangue é um ato salvífico de Deus.”, escreveu Beeke (2010, p. 83).
Deus Espírito Santo reuniu aqueles que desde a eternidade foram escolhidos por Deus Pai e comprados por Deus Filho. O Espírito opera no coração do pecador eleito a regeneração, produzindo nele fé e arrependimento, habitando depois nele (1 Jo 4.13) (FERREIRA, 2007). Joel Beeke (2007, p. 81) coloca da seguinte forma a atividade do Espírito Santo no eleito:
“Os eleitos são chamados à santidade por meio da obra santificados do Espírito. Pedro disso isso por afirmar que pessoas depravadas, pecaminosas, não podem entrar na presença do Deus santo e viver em santidade, a menos que Deus, por meio de seu Espírito as santifique. Pedro disse que o Espírito realiza essa obra de santificação naqueles que o pai elege. O original grego neste versículo indica que crescimento em santidade é um processo contínuo e não um ato que ocorre somente uma vez. Essa obra continua atra os eleitos a seguirem a santidade em dependência do Espírito.”
1.3 Os objetos da eleição
Berkhoff (2012, pp. 106-107) afirma como sendo objetos da eleição os homens, os anjos e Cristo. Aqui irá ser focada apenas a eleição dos homens.
A humanidade, devido ao seu pecado, encontra-se desesperadamente separada de Deus, essa é uma condição que prende o homem, impossibilita-o de fazer viver uma vida justa diante de Deus. Além do homem ser incapaz de se livrar dessa condição ele é cego para a mesma e não tem sequer o desejo de fazê-lo. Esta ideia pode ser encontrada em Paulo no capítulo 3 de Romanos. Neste sentido o homem nunca poderia responder afirmativamente ao chamado do evangelho sem uma acção especial por parte de Deus. A fé necessária para que o pecador beneficie do que Cristo fez na Cruz é depende de uma iniciativa de Deus. (ERICKSON, 2015).
Homens tiveram de ser separados para obterem o perdão dos pecados, por si só o homem não conseguiria se aproximar de Deus, nem tinha o desejo de o fazer. O homem desde a queda encontra-se totalmente depravado, isto é, todas as áreas da sua vida (racional, espiritual, emocional, social) foram afetadas, se Deus não escolher um determinado indivíduo esse indivíduo nunca escolherá Deus.
1.4 Qualidades da eleição
Para melhor entender o conceito de eleição à luz da Bíblia é necessário compreender-se algumas das suas qualidades.
A eleição é soberana. A escolha que Deus faz é uma expressão da vontade livre de Deus. A vontade de Deus é a causa da eleição, o homem é impossibilitado de se escolher a si mesmo, está morto em ofensas e pecados (Ef 2.1), trata-se portanto de uma iniciativa divina, conforme diz Ferreira (2007, p. 743):
“O amor eletivo de Deus precede ao envio de seu Filho. Ao dizer que o decreto da eleição divina se origina na vontade de Deus, exclui-se também a ideia de que ela é determinada por algo existente no homem, como a fé ou as boas obras previstas (Rm 9.11; 2 Tm 1.9).”
A eleição é imutável. A eleição é operada por Deus com a eficiência permanente do sacrifício de Cristo, o qual é definitivo sobre os indivíduos em que é aplicado. (Ferreira, 2007). Tornando assim “segura e certa a salvação dos eleitos. (…) como tal, é fonte de abundante consolação para os crentes. Sua salvação não depende da sua obediência incerta, mas tem a garantia do propósito imutável de Deus.”, como coloca Berkhoff (2012, p. 108).
A eleição é eterna. Deus elege desde a eternidade, antes da fundação do mundo (Ef 1.4). (FERREIRA, 2007).
A eleição é incondicional. A escolha dos indivíduos não depende de obras ou da fé prevista, não está sujeita a qualquer condicionante que não seja a soberania divina, que é a origem da fé das boas obras (At 13.48; Rm 9.11; 2 Tm 1.9; 1 Pe 1.2).
A eleição é irresistível. Berkhoff (2012, p. 108) afirma que:
“Não significa que o homem não possa opor-se à sua execução até certo ponto, mas significa, sim, que a sua oposição não prevalecerá. Significa, porém, que Deus pode exercer e exerce tal influencia sobre o espírito humano que o leva a querer o que Deus quer.”
A eleição é gratuita. Esta característica está ligada à incondicionalidade da eleição. A eleição é oferecida ao pecador, ela acontece na eternidade, antes da existência do pecador salvo, isso faz dela gratuita, independe de qualquer acção humana. Calvino (2010, p. 210) refere que “O próprio tempo da eleição revela que ela é gratuita; pois, o que poderíamos merecer, ou em que consistiria nosso mérito, antes que o mundo fosse criado?”.
2. Aplicação pastoral da eleição
O facto do cristão saber que foi eleito por Deus, de forma incondicional, gratuita, desde a eternidade deve produzir algumas manifestações em sua caminhada cristã.
Em primeiro lugar humildade. A eleição humilha o homem, revela que o homem é incapaz de se achegar a Deus e que se não fora Deus a elegê-lo estaria completamente perdido. A eleição mostra que o cristão deve tudo à graça de Deus, à iniciativa compassiva e amorosa do Deus triúno. (BEEKE, 2007).
A eleição traz encorajamento, pois mostra que Deus escolheu homens mesmo sabendo de todos os pecados que eles cometeriam, todas as falhas que teriam, todas as imperfeições de caráter, de pensamentos, de atitudes e de palavras. (BEEKE, 2007).
A eleição traz confiança na evangelização, pois o crente que partilha o evangelho sabe que Deus é quem salva, quanto a ele compete-lhe anunciar, lançar a semente, se algum dos ouvintes for eleito então ele virá a Cristo. A preocupação daquele que proclama deve ser a fidelidade às Escrituras e a obediência à Grande Comissão, o resto está nas mãos do Soberano da História. Assim quem evangeliza confia, espera, é paciente. (BEEKE, 2007).
Alegria e louvor são produzidos no coração do cristão, pois ele sabe que está seguro nas mãos de Deus, que nada o arrancará das mãos do bom pastor, sabe que de outra forma não seria salvo, se não fosse a graça soberana de Deus, e essa verdade traz gratidão, alegria e louvor. (BEEKE, 2007).
CONCLUSÃO
A eleição é uma doutrina presente em toda a Bíblia. Ela revela o caráter gracioso e soberano de Deus em favor de pecadores. Não se trata de uma doutrina apenas de Paulo e restrita ao livro dos Romanos como muitas vezes, ignorantemente, se fala, mas ela permeia as páginas das Escrituras.
É uma doutrina que não deve ser restrita à academia ou aos debates acesos, mas é uma doutrina que tem implicações práticas na vida cristã. Quem nelas crê prostra-se diante do Deus que ama e elege incondicionalmente, vive seguro e confiante sabendo que está nas mãos dAquele que é Soberano na História.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BEEKE, Joel. Vivendo para a Glória de Deus: uma introdução à Fé Reformada. São José dos Campos: Editora Fiel, 2010.
BERKHOFF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.
CALVINO, João. Gálatas Efésios Filipenses Colossenses. São José dos Campos: Editora Fiel, 2010.
ERICKSON, Millard. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015.
FERREIRA, Franklin; MYATT, Alan. Teologia Sistemática: uma análise histórica, bíblica e apologética para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007.
PIPER, John. Cinco Pontos: em direção a uma experiência mais profunda da Graça de Deus. São José dos Campos: Editora Fiel, 2014.
WRIGHT, Robert. A soberania Banida: Redenção para a cultura pós-moderna. São Paulo: Cultura Cristã, 2007.
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