Cristo Crucificado
- J.C. Ryle
- Jun 25, 2015
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Não há doutrina no Cristianismo tão importante como a doutrina de Cristo crucificado. Não existe outra que o diabo tente destruir tão arduamente. Não há outra doutrina que seja tão necessária que entendamos em prol da nossa própria paz.
Por “Cristo crucificado”, eu falo da doutrina que diz que Cristo teve uma morte sofredora na cruz para expiar os nossos pecados – que pela Sua morte Ele satisfez Deus total, perfeita e completamente pelos ímpios – e que através dos méritos dessa morte todos os que crêem n’Ele tem os seus pecados, ainda que muitos e enormes, perdoados na sua totalidade e para sempre.
Permita-me que diga algumas palavras a respeito desta doutrina bendita.
A doutrina de Cristo crucificado é a grande peculiaridade da religião Cristã. Outras religiões têm leis e preceitos morais, credos e cerimónias, recompensas e castigos; mas nenhuma delas nos pode falar de um Salvador morto: elas não nos podem mostrar a cruz. Esta é a coroa e a glória do Evangelho; este é aquele conforto especial que somente a ele lhe pertence. Verdadeiramente miserável é aquele ensinamento religioso que se intitula cristão, mas que nada contém sobre a cruz. Um homem que ensine desta maneira bem pode professar saber explicar o sistema solar, e não falar do sol aos seus ouvintes.
A doutrina de Cristo crucificado é a força de um ministro. Por mim, eu não ficaria sem ela por nada deste mundo. Eu sentir-me-ia como um soldado sem braços, um artista sem o seu lápis, um piloto sem a sua bússola, um trabalhador sem as suas ferramentas. Que outros preguem, se assim quiserem, sobre a Lei e a moralidade; que outros falem sobre os terrores do inferno e as alegrias do céu; que outros divaguem sobre os sacramentos da Igreja: dêem-me a cruz de Cristo. Esta é a única alavanca que virou o mundo “de pernas para o ar” até agora e fez com que homens abandonassem os seus pecados: e se esta não fizer, nada o fará. Um homem pode pregar com um conhecimento perfeito de Latim, Grego e Hebraico; mas ele fará pouco ou nada de bom aos seus ouvintes a menos que ele saiba algo sobre a cruz. Nunca houve nenhum ministro que tenha feito muito pela conversão de almas que não se nutrisse bastante do Cristo crucificado. Lutero, Rutherford, Whitefield, M’Cheyne, foram todos eminentes pregadores da cruz. Esta é a pregação que o Espírito Santo se deleita em abençoar: Ele ama honrar aqueles que honram a cruz.
A doutrina de Cristo crucificado é o segredo de todo o sucesso missionário. Nada a não ser isto tem movido os corações dos pagãos. À medida que esta doutrina é levantada, as missões prosperam de igual modo. Esta é a arma que já ganhou mais corações de todos os tipos, em qualquer canto do globo: Dinamarqueses, Africanos, Islandeses do Sul, Hindus, e Chineses, todos sentiram o seu poder da mesma maneira. Tal como o grande tubo de ferro que atravessa a ponte de Menai é mais afectado e torcido por meia hora de sol do que por todo o peso morto que pode ser colocado sobre ele, da mesma maneira, os corações de selvagens têm derretido diante da cruz, quando qualquer outro argumento parecia não os ter movido mais do que pedras. “Irmãos,” – disse um índio norte-americano após a sua conversão – “eu já fui um pagão. Eu sei como é que os pagãos pensam. Certa vez, veio um pregador e começou a explicar-nos que existe um Deus; mas nós dissemos para ele voltar para o sítio de onde tinha vindo. Outro pregador veio e disse-nos para não mentirmos, nem roubarmos, nem bebermos; mas nós não cedemos. Um dia, um outro veio finalmente à minha cabana, e disse: ‘Eu venho em nome do Senhor dos céus e da terra. Ele enviou-me para te fazer saber que Ele te fará feliz, e te livrará da miséria. Para isso, Ele fez-se um homem, deu a sua vida como um resgate, e derramou o Seu sangue por pecadores.’ Eu não conseguia esquecer as suas palavras. Eu repetia-as a outros índios, e um grande avivamento começou entre nós. Eu digo, portanto, preguem os sofrimentos e a morte de Cristo, nosso Salvador, se vocês desejam que as vossas palavras ganhem preeminência entre os pagãos.” O diabo nunca triunfou de maneira igual, enquanto persuadia os missionários Jesuítas na China, de que não deviam falar da história da cruz.
A doutrina de Cristo crucificado é o fundamento da prosperidade de uma igreja. Nenhuma igreja será honrada se o Cristo crucificado não for continuamente exaltado nela. Nada pode substituir o desejo pela cruz. Sem ela, todas as coisas podem ser feitas decentemente e em ordem; sem ela podem realizar-se cerimónias esplêndidas, música agradável, igrejas adornadas de forma deslumbrante, ministros eruditos, reuniões de comunhão com muita gente, grandes colectas para os pobres; mas sem a cruz nada de bom será feito. Corações obscurecidos não serão iluminados, corações orgulhosos não serão humilhados, corações murmuradores não serão confortados, corações desanimados não serão alegrados. Sermões sobre a igreja católica e um ministério apostólico, sermões sobre o baptismo e a ceia do Senhor, mensagens sobre união e divisão, pregações sobre jejum e comunhão, sermões sobre os pais da Igreja e os santos – estes sermões nunca substituirão a ausência de sermões sobre a cruz de Cristo. Eles poderão fascinar alguns, mas não alimentarão ninguém. Uma sala de banquetes sumptuosa, com esplêndidos pratos de ouro na mesa, nunca saciará um homem com fome. Cristo crucificado é a grande ordenação de Deus no que diz respeito a fazer o bem aos homens. Quando uma igreja deixa o Cristo crucificado para trás, e põe qualquer outra coisa no lugar prioritário onde o Cristo crucificado deveria estar, a partir desse momento, essa igreja cessa de ser útil. Sem Cristo nos seus púlpitos, uma igreja será pouco melhor que um obstáculo no chão, uma carcaça morta, um poço sem água, uma figueira estéril, um vigilante adormecido, uma trombeta silenciosa, uma testemunha obtusa, um embaixador sem um tratado de paz, um mensageiro sem notícias, um farol sem luz, um pedra de tropeço para crentes mais fracos, um conforto para infiéis, uma cama confortável para o formalismo, uma alegria para o diabo e uma ofensa para Deus.
A doutrina de Cristo crucificado é o grande centro de união entre verdadeiros cristãos. As nossas diferenças externas são, sem dúvida, várias: um homem pode ser Episcopal, outro pode ser Presbiteriano; alguém pode ser Independente e outro pode ser um Baptista; um é Calvinista, outro é Arminiano; um é Luterano, outro é um Irmão de Plymouth; um é simpatizante dos Estabelecimentos, enquanto a outro lhe agrada mais o sistema Voluntário; um prefere as Liturgias, e outro prefere as orações improvisadas; mas fechados os livros, o que diremos da grande maioria destas diferenças no céu? Nada, provavelmente: absolutamente nada. Será que a cruz de Jesus Cristo é a verdadeira e sincera glória de um homem? Essa é pergunta chave. Se a resposta é sim, então ele é meu irmão: estamos a viajar na mesma estrada; a caminhar para uma casa onde Cristo é tudo, e tudo o que é externo na religião será esquecido. Mas se ele não se gloria na cruz de Cristo, não me posso sentir confortável quanto à sua situação. União em pontos externos é união temporal apenas. União na cruz é união para sempre. Erro em pontos externos é meramente uma doença superficial; erro sobre a cruz é uma doença do coração. União em pontos externos é uma união humana; união na cruz de Cristo é produzida pelo Espírito Santo.
Leitor, eu não sei o que você pensa de tudo isto. Eu sinto-me como se metade do que lhe quero falar sobre o Cristo crucificado tivesse ficado por dizer. No entanto, espero mesmo que lhe tenha dado algo para pensar. Ouça-me por uns breves momentos, enquanto digo algo para que possa aplicar todo este assunto à sua consciência.
Está a viver em qualquer tipo de pecado? Está a seguir o curso deste mundo, e negligenciar a sua alma? Ouça! Eu rogo-lhe, é o que lhe faço neste momento: “Atente para a cruz de Cristo.” Veja o quanto Jesus o amou! Contemple o quanto é que Jesus sofreu para lhe preparar um caminho para a salvação! Sim: homens e mulheres ociosos, por vós aquele sangue foi derramado! Por vós, aquelas mãos e pés foram perfurados com pregos! Por vós, aquele corpo pendurado na cruz esteve em agonia. Vós sois aqueles que Jesus amou, e pelos quais Ele morreu! Este amor deve certamente derreter-vos: o contemplar da cruz deve trazer-vos verdadeiramente ao arrependimento. Ó, que isso aconteça neste mesmo dia. Ó, que vós vinhais de uma vez até este Salvador que morreu por vós e quer salvar-vos! Vinde e chorai a Ele com uma oração de fé, e sabei que Ele irá ouvir-vos. Vinde e tomai posse da cruz, sabendo que Ele não vos lançará fora! Vinde e crede n’Ele que morreu na cruz, e neste mesmo dia tereis vida eterna.
Está o leitor, em busca do caminho para o céu? Está em busca de salvação, mas com dúvidas de que algum dia a encontrará? Sente o desejo em ter interesse por Cristo, mas tem dúvidas de que Ele o pode aceitar? A si eu também lhe digo, “Atente para cruz de Cristo.” Aqui há verdadeiro encorajamento, se realmente o quer. Aproxime-se do Senhor com confiança, pois não há nada que o possa impedir: os Seus braços estão abertos para o receber; o Seu coração está cheio de amor por si. Ele preparou um caminho pelo qual você pode abordá-lo com confiança. Pense na cruz. Aproxime-se, não tema.
É o leitor, um homem inculto? Está o leitor desejoso de chegar ao céu, mas ainda assim perplexo e parado por coisas difíceis na Bíblia que não consegue explicar? A si eu também digo isto neste mesmo dia: “Atente para a cruz de Cristo.” Leia lá o amor do Pai e a compaixão do Filho. Certamente estes estão escritos com letras bem grandes, nas quais ninguém se poderá enganar. O que o deixa agora perplexo na doutrina da eleição? Não consegue reconciliar a sua total corrupção com a sua responsabilidade moral? Atente, digo-lhe eu, para a cruz. Não lhe diz ela que Jesus é um poderoso, amoroso e pronto Salvador? Não torna ela isto bem claro – de que se você não for salvo vai ser por sua própria culpa? Ó, tome posse desta verdade, e faça-o com força.
É o leitor, um crente angustiado? Está o seu coração aflito com doenças, experimentado em desilusões e sobrecarregado de preocupações? A si, também lhe digo neste momento: “Atente para a cruz de Cristo.” Pense nas mãos daquele que o corrige; pense na mão que lhe está a dar a beber do cálice de amargura que agora toma. É a mão d’Aquele que foi crucificado; é a mesma mão que por amor à sua alma foi pregada na cruz maldita. Este pensamento deve trazer-lhe conforto e ânimo. O leitor deve dizer para si mesmo: “Um Salvador crucificado nunca trará nada sobre mim que não contribua para o meu bem. Há uma razão para tudo isto. Tudo irá ficar bem.”
É você um crente que está a morrer? Está você deitado naquela cama, em que algo dentro de si lhe diz que não voltará a levantar-se com vida? Está você a aproximar-se daquela hora solene, na qual a sua alma deve partir por um tempo, e você terá de ser lançado num mundo desconhecido? Fixe firmemente os olhos da sua mente no Jesus crucificado, e Ele libertar-lo-á dos seus medos. Ele nunca o abandonará – nunca se esquecerá de si. Sente-se à sombra da cruz até ao último momento, e os frutos dela serão uma doçura para o seu paladar. Só existe uma coisa necessária no leito de morte, e ela é sentir os nossos braços agarrados em volta da cruz.
Leitor, se nunca ouviu falar do Cristo crucificado até ao presente dia, não há nada que lhe possa desejar de melhor a não ser que O venha conhecer mediante a fé, e que descanse n’Ele para a salvação. Se O conhece, que O conheça cada vez melhor a cada ano que viva, até que O veja face a face.
Tradução: Marcos Barreiro
Revisão: Joel Lopes
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